sábado, 29 de janeiro de 2011

Prendas e Idoneidade

A PROPÓSITO do recebimento de presentes, durante o exercício de determinadas funções, Jorge Sampaio, ex-presidente da República, declarou em tribunal, referindo-se ao acusado José Penedos, arguido no processo Face Oculta, o seguinte: “Há presentes e presentes. Recebi centenas e ninguém pode dizer que influenciaram qualquer das minhas decisões, (…) a maior parte dos presentes são mera cortesia (…) quem é influenciado e afectado por eles, é porque não tem capacidade moral”.
Precisamente porque quem é agraciado com prendas, pode não ter capacidade moral, sendo susceptível de poder vir a ser influenciado, ou ser disso acusado, os presentes (desde as canetas e caixas de robalos, até aos automóveis topo de gama), seja para aferir a capacidade moral, amaciar cumplicidades, premiar ou abrir portas a favores, deveriam ser banidos das relações com pessoas detentoras de poder, e o ex-presidente Sampaio, com tão lamentáveis considerações, deveria abster-se de contribuir para branquear tão pernicioso fenómeno, quando há interesses institucionais pelo meio. Com a idade e a experiência que tem, já devia saber que deixar-se corromper, não é um passo, nem curto, nem longo; depende de se querer mudar de tipo de calçado, e do número que se calça. Não basta dizer que as prendas são atenções dirigidas à função e não à pessoa em si mesma; na verdade, não são um gesto irrelevante, antes cria mais incómodos do que enobrece as relações. Se quisermos que sejam iniciativas de descomprometida gentileza, devemos escolher outras e inócuas circunstâncias e ocasiões, que não possam ser associadas com o exercício de funções.

1 comentário:

  1. É penoso ver pessoas que sempre tivemos como sérias fazerem estas tristes figuras.
    Jorge Sampaio não é ingénuo e deve saber que aquelas palavras em defesa dum amigo o colocam ao lado de todos os que, mesmo não sendo corruptos, nada fazem, nem deixam fazer, para combater a chaga nacional que é a corrupção.

    E a propósito, como é que está o Código deontológico dos serviços do Estado de que falava aqui: http://bit.ly/fMmOxB

    E para os políticos não há também um Código Deontológico?

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