segunda-feira, 17 de outubro de 2011

SOBRE O GENE MEME DO APARTIDARISMO
E a forma de tentar lidar com o dito.



Um meme, segundo Richard Dawkins, é assim uma espécie de gene sócio-cultural, que se replica e propaga numa sociedade de forma semelhante à dos nossos conhecidos e indispensáveis genes.

Um bom exemplo de meme é o popular e ubíquo apartidarismo, cuja origem remonta aos regimes fascistas que dominaram boa parte da Europa a partir dos finais dos anos 20 até 1945, e em Portugal e Espanha até aos anos 70.

Para quem não teve a experiência directa, ou que já se esqueceu, convém dizer que para além da feroz repressão policial sobre os partidos, e os seus militantes e simpatizantes, o fascismo sempre desenvolveu uma intensa e sistemática campanha contra a própria ideia de partidos, apresentado-os como defensores de interesses particulares, de grupo, com uma papel divisivo numa sociedade que queriam una e coesa à volta da vontade do líder, o ditador. Exemplo do efeito dessa propaganda é a expressão, que ainda hoje se ouve, a minha política é o trabalho.

Como um gene, também um meme para ter sucesso, além da óbvia capacidade de adaptação a novas situações, precisa de condições favoráveis para se reproduzir e alastrar. Condições que como vimos, pela força e pela propaganda, o fascismo lhe assegurou durante 48 anos. Condições que no pós 25 de Abril, embora de natureza diferente mas a que este meme do apartidarismo se adaptou facilmente, também não lhe têm faltado.

As sistemáticas quebras de promessas eleitorais, a submissão do poder político-partidário ao poder económico, o favorecimento próprio e dos amigos, o sectarismo militante, têm sido factores decisivos à difusão da nova mutação do velho apartidarismo, inclusive entre as novas gerações que já não tiveram um contacto directo com a sua forma original.

Não se estranhe por isso que o apartidarismo, com raízes profundas e terreno fértil na nossa sociedade, mereça hoje uma simpatia tão alargada e diversificada, e que, mais recentemente, o justo descontentamento popular esteja em boa parte a ser canalizado para diversas formas de intervenção apartidária. Só para falar de 2011, temos as candidaturas de Fernando Nobre e José Manuel Coelho, as manifestações do 12 de Março, a Acampada do Rossio, e agora o 15 de Outubro.

Embora a maioria dos que se assumem apartidários e defendem o apartidarismo sejam democratas que nem sequer vêem nessa sua posição nada de anti-democrático, convém não esquecer que o apartidarismo tem sido um factor importante na afirmação dos chamados homens providenciais, e de outras formas de intervenção política mais ou menos à margem da democracia.

Mas para além desse risco, que aqui e agora me parece apenas potencial e com poucas pernas para andar, hoje o problema maior do apartidarismo, em particular na sua forma anti-partidos, é ser um obstáculo bem real à tão necessária unidade das forças democráticas contra a maior ofensiva anti-popular e anti-trabalhadores da nossa história recente.

Tal como cada um de nós tem de viver com os genes que herdou, mesmo que não sejam os do nosso inteiro agrado, também as sociedades têm de saber conviver com os memes que lhes couberam em sorte.

Para a superação desta contradição apartidarismo vs. partidos o esforço de entendimento e cooperação tem de ser mútuo e recíproco. Os movimentos porque tal como os partidos também são responsáveis perante todos aqueles que mobilizam, e não devem deixar que preconceitos ou interesses mesquinhos, se sobreponham aos objectivos por que lutam.

Mas a responsabilidade maior em tentar afastar aquilo que hoje é apenas um escolho, mas que se pode tornar numa barreira intransponível à tão necessária unidade na acção, cabe, em primeiro lugar, aos partidos de esquerda e seus militantes.

Não só porque estão em melhores condições para valorizar a importância da convergência de esforços e vontades, mas também pela sua maior experiência e cultura políticas, pelo facto de não estarem completamente inocentes de alguns pecados veniais que lhes apontam com razão (os pecados mortais são todos do PSD, PS e CDS, não confundir alhos com bugalhos, please?), e last but not the least, porque o Povo não existe para servir os partidos, os partidos é que existem para servir o Povo.

2 comentários:

  1. Caro J Eduardo Brissos,

    post muito interessante, mas gostaria de discutir um ou dois pontos.

    O que diz sobre o apartidarismo de direita das ditaduras conservadoras é verdade para o caso português e, em certa medida, para o de Espanha. Mas não para o nazismo nem para o fascismo italiano, em que o culto do partido e do Estado se fundiram intimamente, e em que, portanto, a mística do partido não esteve propriamente ausente.

    Houve também a crítica da representação partidária, tida como essencialmente hierárquica ou "burguesa" e "estatista" por parte de várias tendências revolucionárias e radicais (anarco-sindicalismo e sindicalismo revolucionário, conselhismo, etc.).

    Por fim, para passarmso do histórico ao mais imediato, creio que há várias maneiras de conceber os partidos ou organizações de militantes e que nem todas se equivalem. Pode-se, e é o meu caso como o de muitos outros, reconhecer a legitimidade e a necessidade de partidos ou organizações, mas recusar a ideia de que seja através desses partidos ou organizações que deva ser exercido um poder político igualitário e verdadeiramente democrático como alternativa ao governo da economia política do capitalismo e dos seus aparelhos de Estado.

    Assim, como já escrevi noutro sítio, esta 'posição não é contra a existência "dos partidos ou formas de expressão organizadas por grupos de cidadãos interessados em dar a conhecer as suas opiniões e propostas aos demais"; mas é, sem dúvida, a favor da "transformação radical das formas de organização existentes ou da criação de novas formas de associação política que nos permitam operar a substituição do voto em partidos comandados por políticos profissionais pela eleição de delegados, com partido ou sem ele, que mandatemos - possamos regularmente revogar segundo procedimentos simples e claramente definidos - e sejam responsáveis perante os eleitores e não partidos representativos no exercício das tarefas comuns cujo desempenho o exija". Ou seja, trata-se, por exemplo e entre outras coisas, de substituir "o voto que esgota, e exclui até à convocação de novas eleições gerais, a participação governante pelo voto que reforça e traduz essa participação permanente, que é uma das condições da cidadania" (Cf. http://viasfacto.blogspot.com/2011/05/reflexoes-pre-eleitorais-nenhum-partido.html).
    Assim, quando digo que "Nenhum partido nos representa", não quer dizer que não reconheça a necessidade de partidos ou formas de associação política militantes - bem pelo contrário. Só que, para o efeito que é a democratização radical do exercício do poder político na cidade e na produção através da participação e do auto-governo dos iguais, nem todos os partidos ou organizações são (…) a mesma coisa'.

    Cordiais saudações democráticas

    msp

    Post-scriptum: Agradeço ao Dédé ter linkado noutro lugar este post, dando-me - e a outros, espero - o ensejo de o conhecer e discutir.

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  2. Caro Miguel Serras Pereira,

    Concordo que numa discussão sobre formas de representação politica seria grave omissão não referir as "várias tendências revolucionárias e radicais (anarco-sindicalismo e sindicalismo revolucionário, conselhismo, etc.)" que fazem parte integrante da nossa história social e politica e, embora com menor expressão, da nossa actualidade.

    Contudo o assunto do post é muito mais restrito, com o enfoque completamente centrado no apartidarismo de que se reinvindicam as candidaturas de Nobre, Coelho ou o 12M, que não vejo que tenham qualquer relação directa com as tendências revolucionárias e radicais que refere.

    Mesmo assim não tenho problemas em aceitar que uma referência, ainda que breve, a outras correntes de pensamento e acção, teria ajudado a situar a problemática do apartidarismo.

    Mas como sabe na bloga quanto mais extenso o post, menos leitores tem ;) . Por outro lado também temos a vantagem dos posst terem um carácter mais "aberto" do que o livro ou o artigo, pois permitem facilmente que a sua discussão seja enriquecida com outros contributos, precisões ou criticas

    Abraço,

    J Eduardo Brissos

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