DA AUTORIA do economista João Pedro Martins e com a chancela da editora SmartBook, acabei de ler o recém-editado livro "Suite 605", com o subtítulo “A história secreta de centenas de empresas que cabem numa sala de 100m2”, o qual aborda e escalpeliza a figura sinistra do offshore madeirense, eufemisticamente conhecido como Zona Franca da Madeira.
Ao
prazer da leitura de um tema polémico, acresce a coincidência da recente
divulgação da dívida escondida pelo governo regional da Madeira, e a ocorrência
de mais umas eleições regionais naquela região autónoma, acontecimento sempre
atulhado de passeios inaugurativos e de comícios eleitorais recheados de
vitupérios, quando não transformados em autênticas garraiadas humanas. Isto
para não falar do mais importante, que foram as referências ao regabofe dos
pretéritos 12.775 dias de consulados jardinistas, bem untados e ignorados pelos
condescendentes governos da República.
Passemos
ao livro. É uma obra arrasadora. Lê-se de um fôlego e fica-se com os cabelos em
pé, para não dizer horrorizado, com as situações com que somos confrontados e
as conclusões que acabamos por tirar.
Na
verdade, estamos rodeados de malfeitores e presos numa poderosa rede criminosa.
No
caso específico deste offshore da
Madeira, situado na suite 605 do Edifício Marina Fórum, no n.77 da Avenida
Arriaga do Funchal, o cenário resume-se a uma sala de 102m2, que alberga 1.000
empresas virtuais. Cada empresa ocupa uma área equivalente a um mosaico de
cozinha, havendo dois super-gestores (recrutados entre as “famílias” madeirenses,
mas desprovidos de competência académica ou profissional ) a quem compete
administrar 868 empresas, em regime de voluntariado, isto é, sem receberem um
cêntimo pela função que desempenham (serão
beneméritos?), a qual, na prática, se limita a ser mera pirataria fiscal. Assim,
o grande desenvolvimento de que os políticos madeirenses tanto se orgulham e
vangloriam, não passa de um paraíso fiscal, situado numa região
ultra-periférica, habitado por umas largas centenas de empresas-fantasma,
embrulhadas numa simples escritura de constituição de empresa, desprovidas de
trabalhadores, com lucros fabulosos, e cujos escritórios se limitam a ser uma
caixa de correio.
Um
exemplo: na Madeira não existem minas, fundições, fábricas, armazéns ou
entrepostos industriais, mas registada no offshore
existe a ArcelorMittal Trading, que é um gigante mundial do aço, que não produz
um único grama de aço nem têm operários na Madeira, mas que exporta dali, através
de uma frota invisível de navios, toda a sua colossal produção. Neste offshore do Funchal, tal como a
ArcelorMittal Trading, existem centenas de outras empresas que não criam
emprego, nem riqueza para o país. Não acrescentam tecnologia e não pagam
impostos em Portugal. Limitam-se apenas a ter lucros e a beneficiar das
isenções fiscais. Se pagassem o que lhes competia, tal seria o suficiente para acabar
com o desemprego na região autónoma, a oferta de emprego passar a superar a
procura, e os cerca de 30% de madeirenses que vivem abaixo do limiar da
pobreza, passariam a ter uma existência mais digna e segundo padrões europeus.
Diz
o autor que “os paraísos fiscais não são um tema complexo apenas ao alcance de
economistas e advogados, é um sistema ultrajante que rouba aos pobres para
evitar que os ricos paguem impostos. No fim, a conta é sempre paga pelos
pequenos contribuintes. Esta é uma das páginas mais negras da economia desde a
época da escravatura.” É verdade! Na prática, a Zona Franca da Madeira tem permitido
que se faça lavagem de dinheiro das mais suspeitas proveniências, e que os
lucros das multinacionais fiquem isentos de pagar impostos, sem criar postos de
trabalho, sem gerar riqueza e sem acrescentar qualquer espécie de inovação tecnológica,
operando exclusivamente na vertente financeira e fiscal, na qual o dinheiro
nunca chega a entrar em Portugal, limitando-se apenas a ser traficado através
das piruetas das contabilidades criativas, distorcendo a realidade económica da
região e do país.
Conclui
o autor, já no fecho da obra, que o comércio monopolista das multinacionais
anulou a livre concorrência e viciou a lei da oferta e da procura. Os impostos
são pagos apenas por quem trabalha por conta de outrem, enquanto que as grandes
empresas jogam nos tabuleiros dos offshores para fugir ao fisco e engrossar os
seus lucros de forma desmedida, satisfazendo as ganâncias e regabofes dos
senhores accionistas. Por outro lado, o mito do défice da produtividade não
está nos trabalhadores, nem na legião de desempregados que procuram
sustentar-se, e sustentar as suas famílias, mas sim numa classe de parasitas
profissionais que, socorrendo-se da corrupção e explorando toda a espécie de
truques e artimanhas, mais as fragilidades que o sistema fiscal exibe, acabam
por furtar-se aos impostos, e não só.
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