terça-feira, 11 de outubro de 2011

Dos Livros


DA AUTORIA do economista João Pedro Martins e com a chancela da editora SmartBook, acabei de ler o recém-editado livro "Suite 605", com o subtítulo “A história secreta de centenas de empresas que cabem numa sala de 100m2”, o qual aborda e escalpeliza a figura sinistra do offshore madeirense, eufemisticamente conhecido como Zona Franca da Madeira.

Ao prazer da leitura de um tema polémico, acresce a coincidência da recente divulgação da dívida escondida pelo governo regional da Madeira, e a ocorrência de mais umas eleições regionais naquela região autónoma, acontecimento sempre atulhado de passeios inaugurativos e de comícios eleitorais recheados de vitupérios, quando não transformados em autênticas garraiadas humanas. Isto para não falar do mais importante, que foram as referências ao regabofe dos pretéritos 12.775 dias de consulados jardinistas, bem untados e ignorados pelos condescendentes governos da República.

Passemos ao livro. É uma obra arrasadora. Lê-se de um fôlego e fica-se com os cabelos em pé, para não dizer horrorizado, com as situações com que somos confrontados e as conclusões que acabamos por tirar.

Na verdade, estamos rodeados de malfeitores e presos numa poderosa rede criminosa.

No caso específico deste offshore da Madeira, situado na suite 605 do Edifício Marina Fórum, no n.77 da Avenida Arriaga do Funchal, o cenário resume-se a uma sala de 102m2, que alberga 1.000 empresas virtuais. Cada empresa ocupa uma área equivalente a um mosaico de cozinha, havendo dois super-gestores (recrutados entre as “famílias” madeirenses, mas desprovidos de competência académica ou profissional ) a quem compete administrar 868 empresas, em regime de voluntariado, isto é, sem receberem um cêntimo pela função  que desempenham (serão beneméritos?), a qual, na prática, se limita a ser mera pirataria fiscal. Assim, o grande desenvolvimento de que os políticos madeirenses tanto se orgulham e vangloriam, não passa de um paraíso fiscal, situado numa região ultra-periférica, habitado por umas largas centenas de empresas-fantasma, embrulhadas numa simples escritura de constituição de empresa, desprovidas de trabalhadores, com lucros fabulosos, e cujos escritórios se limitam a ser uma caixa de correio.

Um exemplo: na Madeira não existem minas, fundições, fábricas, armazéns ou entrepostos industriais, mas registada no offshore existe a ArcelorMittal Trading, que é um gigante mundial do aço, que não produz um único grama de aço nem têm operários na Madeira, mas que exporta dali, através de uma frota invisível de navios, toda a sua colossal produção. Neste offshore do Funchal, tal como a ArcelorMittal Trading, existem centenas de outras empresas que não criam emprego, nem riqueza para o país. Não acrescentam tecnologia e não pagam impostos em Portugal. Limitam-se apenas a ter lucros e a beneficiar das isenções fiscais. Se pagassem o que lhes competia, tal seria o suficiente para acabar com o desemprego na região autónoma, a oferta de emprego passar a superar a procura, e os cerca de 30% de madeirenses que vivem abaixo do limiar da pobreza, passariam a ter uma existência mais digna e segundo padrões europeus.

Diz o autor que “os paraísos fiscais não são um tema complexo apenas ao alcance de economistas e advogados, é um sistema ultrajante que rouba aos pobres para evitar que os ricos paguem impostos. No fim, a conta é sempre paga pelos pequenos contribuintes. Esta é uma das páginas mais negras da economia desde a época da escravatura.” É verdade! Na prática, a Zona Franca da Madeira tem permitido que se faça lavagem de dinheiro das mais suspeitas proveniências, e que os lucros das multinacionais fiquem isentos de pagar impostos, sem criar postos de trabalho, sem gerar riqueza e sem acrescentar qualquer espécie de inovação tecnológica, operando exclusivamente na vertente financeira e fiscal, na qual o dinheiro nunca chega a entrar em Portugal, limitando-se apenas a ser traficado através das piruetas das contabilidades criativas, distorcendo a realidade económica da região e do país.

Conclui o autor, já no fecho da obra, que o comércio monopolista das multinacionais anulou a livre concorrência e viciou a lei da oferta e da procura. Os impostos são pagos apenas por quem trabalha por conta de outrem, enquanto que as grandes empresas jogam nos tabuleiros dos offshores para fugir ao fisco e engrossar os seus lucros de forma desmedida, satisfazendo as ganâncias e regabofes dos senhores accionistas. Por outro lado, o mito do défice da produtividade não está nos trabalhadores, nem na legião de desempregados que procuram sustentar-se, e sustentar as suas famílias, mas sim numa classe de parasitas profissionais que, socorrendo-se da corrupção e explorando toda a espécie de truques e artimanhas, mais as fragilidades que o sistema fiscal exibe, acabam por furtar-se aos impostos, e não só.

Livro oportuno e demolidor, muito bem estruturado, escrito e documentado, é um excelente veículo para mergulhar neste capítulo da realidade económica portuguesa. Embora saiba o que são offshores, para que servem, e na generalidade, quais os seus efeitos preversos, agora fiquei bem mais informado, para não dizer estarrecido. Reflectindo sobre as leituras dos últimos anos, lembrei-me de outro livro, “O Horror Económico” de Viviane Forrester, publicado em 1997, onde até não se falava muito de paraísos fiscais. Juntando as considerações dos dois, separados por 14 anos, fico com comichões e a engolir em seco. Há quem diga que o mundo mudou. Mudou pois, mas para muito pior!

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