sábado, 19 de março de 2011

Ideias com Esperança

No romance O ANO DA MORTE DE RICARDO REIS diz-se que “nove meses é o tempo que se leva a morrer, tantos quantos os que andámos na barriga das nossas mães". Façamos de conta que não se passaram nove meses, nem os 14 anos de idade que tem o texto abaixo transcrito, e que o autor ainda está vivo e a dizer coisas.

«(…) Perguntaram-me pela democracia, e eu respondi-lhes que a democracia, tal como a estamos vivendo, é uma mentirosa falácia, que não se pode falar de democracia quando sabemos que os governos, resultando de actos eleitorais democráticos, logo se tornam em meros mandatários do único poder real real e efectivo, que é o das corporações económicas e financeiras transnacionais. Também me perguntaram pelo comunismo, e eu respondi-lhes que o socialismo não se pode construir nem contra os cidadãos nem sem os cidadãos, e que por isto não ter sido entendido é que a esquerda é hoje um campo de ruínas onde, apesar de tudo, uns quantos ainda teimam em buscar e colar fragmentos das velhas ideias com a esperança de poderem criar algo novo… “Irão consegui-lo?”, perguntaram-me, e eu respondi: “Sim, um dia, mas eu já cá não estarei para ver…”»

Excerto do registo de 2 de Agosto de 1997 de José Saramago in Cadernos de Lanzarote – Diário V

Meu comentário: Foi inaugurada a 18 de Março de 2011 a “Casa” de José Saramago, em Tias, Lanzarote, Ilhas Canárias, Espanha, e por muito que me esforçasse, lamentavelmente, não vi uma única referência ao acontecimento nas nossas televisões. Com isto, confirma-se que nove meses é o tempo que se leva a esquecer quem morreu.

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