domingo, 19 de setembro de 2010

Odisseia do 28 à procura do trajecto para Belém


HÁ POUCO mais de 3 anos, aconteceu-me uma coisa inacreditável. No dia 2 de Março de 2007, necessitei de deslocar-me da Portela para a Avenida Infante Santo, a mais uma consulta no Hospital da Cuf, e como sou adepto das “boas práticas” e avesso a usar transporte particular dentro de Lisboa, em dia de semana e em horário de trabalho, decidi recorrer ao transporte público, e utilizar a carreira 28 da Carris, que faz o percurso entre a Portela e o Restelo. Eram 12h e 45m quando o enorme veículo articulado chegou, o motorista abriu a porta, comprei o meu título de transporte, e quando me preparava para ir escolher um lugar sentado, ouvi a voz do condutor, um rapaz com vinte e poucos anos, que ainda não tinha arrancado da paragem, fazer a seguinte pergunta:
- O senhor desculpe, mas agora nesta rotunda aí à frente, sigo para a direita ou continuo em frente?
Parei, olhei para trás, incrédulo, e foi a minha vez de perguntar, muito embora não houvesse mais ninguém por perto:
- Está-me a perguntar isso a mim?
- É sim, queira desculpar a maçada, mas a questão é que me enfiaram nesta carreira e eu desconheço totalmente o percurso, pelo menos até ao Cais do Sodré, respondeu o motorista, a exibir um ar muito embaraçado.
Perfeitamente abismado com a situação, voltei a insistir:
- Então e quando o escalaram para esta carreira não informou que desconhecia o percurso?
- Claro que informei, só que me disseram que tinha que ser, e se tivesse dificuldades com o caminho, que fosse perguntando às pessoas…
Claro está que não me sentei para fazer aquela viagem. Ou ficava a dar uma ajuda ao jovem funcionário da Carris, ou desembarcava na próxima paragem e arranjava um táxi.
Acabei por decidir armar-me em “bom samaritano”, instalei-me em pé ao lado dele e disse:
- Pois bem, pelo menos até à Infante Santo vai ter navegador. Agora aí na rotunda vai seguir em frente.
E assim foi. Fui dando indicação da localização das paragens, das faixas rodoviárias que devia seguir, orientei-o nos meandros de Moscavide, do Parque das Nações, na avenida Infante D.Henrique, no percurso pelas ruas apertadas da zona de Chelas, onde é preciso ser muito experiente para fazer curvas com um veículo articulado, senão é o cabo dos trabalhos, e assim sucessivamente. Pelo meio daquela inusitada viagem, e como é compreensível, a velocidade do autocarro era muito abaixo da média habitual, e isso começou-se a reflectir-se na chegada às paragens, empanturradas de gente, a despejarem sobre o motorista todas as ameaças e reclamações. Por isso, além de navegador, também tive que fazer a minha entrada de animal feroz:
- Quem está a reclamar, quer vir aqui para este lugar? É que o motorista foi metido neste autocarro e não sabe o percurso desta carreira. Alguém quer vir aqui dar uma mãozinha? Então, ninguém se oferece?
Fez-se silêncio. Apenas um operário já entrado em idade, veio até à frente e disse que estava ali para o que desse e viesse.
Finalmente chegámos ao entroncamento da avenida 24 de Julho com a Infante Santo, onde desci do autocarro, ao mesmo tempo que o improvisado condutor me agradecia a ajuda.
Não sei como acabou a saga daquele jovem condutor da Carris. A minha acabou mal. A consulta que estava marcada para as 14 horas, porque cheguei atrasado uma hora, foi transferida para as 17 horas, e no regresso a casa, pelo sim, pelo não, acabei por vir de táxi.
Já nem falo na degradação do serviço da Carris, que se tem vindo a verificar até hoje, com a redução da frequência das viagens, horários incertos e interrupção das carreiras a partir de determinadas horas e aos fins-de-semana, mas a verdade é que este continua a ser o modo de andar (ou desandar) da Carris, empresa de transporte público de passageiros da cidade de Lisboa, tutelada pelo Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, a qual gasta muitos milhares de euros a fazer a auto-promoção da excelência dos seus serviços, publicidade aos benefícios de deixar o carro em casa e usar o transporte público, e depois uma inofensiva viagem pode transformar-se numa aventura pelo desconhecido, e com fim imprevisível.

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