PEDRO Passos Coelho ganhou um mau hábito. Frente às câmaras de TV, ostenta um ar de mestre-escola e tenta provar, de forma falaciosa, que o endividamento dos cidadãos é o principal responsável pelo endividamento do Estado e a desordem nas Contas Públicas, atribuindo-nos o suposto pecado de andarmos a gastar acima das nossas possibilidades, e com isso sermos os sujeitos culpados da crise e do depauperamento do Estado. E vai mais longe. Como somos caloteiros e não pagamos o que devemos, o crédito mal parado começa a deixar os coitadinhos dos bancos em maus lençóis, e depois o Estado tem que ir a correr salvá-los da penúria, para garantir a estabilização financeira. E vai dizendo isto sem se rir, julgando que nos esquecemos dos lucros pornográficos que os bancos entretanto fizeram ao longo dos anos, à custa dos mariolas dos portugueses, e que entretanto publicitavam com regozijo, pompa e circunstância, culminando com orgiásticas distribuições de dividendos.
Com esta falsa ideia, quer implantar nos nossos espíritos um complexo de culpa, que conduz ao entorpecimento, à submissão e aceitação da inevitabilidade das medidas de austeridade, bem como os sacrifícios daí resultantes. A verdade é que se um cidadão se sobreendivida e não consegue cumprir os seus compromissos, seja por indisciplina ou pouco controle do seu orçamento doméstico, o problema é sempre pessoal e a sua solução fica circunscrita ao contencioso entre devedor e credor. O que significa que o Governo, a Dívida Pública e o Orçamento de Estado não têm nada a ver com isso, nem são para aí chamados. Passando por cima disto, Passos Coelho faz um ensaio para arranjar mais um bode expiatório, tão grande quanto a dívida que o próprio Estado acumulou, e que o bancos gulosos andaram a explorar.
Esquece-se de falar dos excessos em que o Estado se envolve, seja com gastos estratosféricos e incomportáveis, com uma gestão incompetente dos dinheiros públicos, com os ruinosos modelos que implementa para administrar o país, com contabilidades marteladas e engenharias orçamentais, ou ainda (e sobretudo) com os favores, preferências, negociatas e traficâncias suspeitas em que se envolve, que geram colossais buracos financeiros, e leva a que os cofres se esvaziem, sem receitas e sem remédio. Daí o Estado sobreendividar-se de forma escandalosa e continuada, pedindo empréstimos para pagar empréstimos (cá dentro e lá fora), e depois, já sem crédito e cercado pelos agiotas dos mercados, virar-se para o mundo do trabalho, exaurindo-o com medidas de austeridade e saques ao desbarato, para satisfazer as exigências cada vez mais gravosas, e nunca conseguir pagar o que deve. E assim, por obra e graça deste mesmo Estado que Passos Coelho personifica, se passa de país a protectorado, onde se leiloa património ao desbarato, e se vão abrindo os caminhos que conduzem à penúria e miséria generalizadas, onde são demolidos todos os projectos de vida, e onde (quase) todos acabam devedores.
Afinal, Pedro Passos Coelho, mais os seus aliados de circunstância, o que pretendem é um grande bode expiatório, do tamanho do país, a quem imputar a responsabilidade do estado a que chegámos. E pegando nessa ideia, insiste que temos que mudar de vida, voltando a sugerir como solução o nosso empobrecimento colectivo (excepto os do costume). Está na altura do povo lhe responder, a ele e aos seus aliados de circunstância, com o gesto adequado.