quarta-feira, 1 de julho de 2015

ALGUÉM QUE FALE GREGO, FAZIA-ME A FINEZA DE TELEFONAR PARA O KKE

E explicar aos camaradas dirigentes que estão a arrastar(*) o honrado Partido Comunista Grego provavelmente para a maior burrada da sua longa e heróica existência?

É que aquela rábula do pretenso boletim de voto KKE com duas perguntas (na foto) francamente, não lembrava ao diabo. Apelar ao voto NULO no Referendo do próximo domingo, que é o que o KKE está a fazer, é de facto um erro de proporções "homéricas", com consequências dramáticas para o KKE e trágicas para a luta dos trabalhadores e do povo Grego.

Dir-me-ão, e eu concordo, que tem o KKE toda a razão em defender que o que devia ser referendado era não apenas a Proposta-Ultimato da Troika, mas igualmente a Proposta-Cedência do Syriza, quase tão nefastas uma como a outra e indubitavelmente dentro da mesma linha austeritária e anti desenvolvimento.

Aliás a rocambolesca saga das propostas e contra propostas, em que Tsipras e Varoufakis são exímios, e em que continuam envolvidos mesmo depois da decisão do Referendo, só confirmam muito do que o KKE tem dito sobre o Syriza e a sua politica de capitulação. A quatro dias de distância não é sequer claro se no domingo vai ou não haver Referendo.

Defender no Parlamento as duas perguntas e votar contra a proposta do Syriza de apenas uma pergunta, sabendo à partida que a aprovação da realização do Referendo estava assegurada, tudo bem, é normal e aceitável em termos de luta politica partidária.

É uma forma de levar aos votantes a posição do KKE (de que os eleitores deviam ter o direito de votar as duas propostas) e de realçar que o NÃO à Proposta-Ultimato da Troika, não pode ser em caso algum, como o Syiriza está a tentar, considerada uma aprovação à Proposta-Cedência do governo.

Como todos sabemos a politica não é tomar decisões em função daquilo que gostaríamos que fosse (as duas perguntas), mas decidir sobre aquilo que realmente é, e neste caso o que é, como resultado da votação no Parlamento, é um Referendo com apenas uma pergunta.

A partir daí o KKE devia ter afirmado claramente a posição de voto NÃO, podendo desenvolver toda a sua campanha na base de que quem vota contra a Proposta-Ultimato da Troika está também obviamente contra a Proposta-Cedência do Syriza, até por ambas no fundo serem tão parecidas.

Desse modo, e colocando-se claramente no campo Anti Austeridade e contra o Diktat da Troika, o KKE teria melhores condições de ser ouvido pelo lado maioritário dos que vão votar NÃO (segundo uma sondagem 55% pelo NÃO, contra 33% pelo SIM), sem abandonar ou trair a confiança dos que defendem, tal como o KKE, que o voto devia incidir sobre as duas propostas.

Assim o voto no NÃO não seria automaticamente um voto de confiança ao Syriza (o que acontecerá se o KKE votar NULO), mas um voto mais abrangente e com maior capacidade de capitalizar o sentimento de revolta que este processo objectivamente está a agudizar, num contexto de unidade popular potenciador de novos avanços, muito para além dos cálculos manobristas de Tsipras e Varoufakis.

Ao contrário, defendendo o voto NULO, o KKE isola-se no campo popular, entrega o apoio maioritário do NÃO nas mãos do governo, e coloca-se objectivamente ao lado dos que querem sufocar e subjugar o povo, no que será condenado sem apelo nem agravo pela maioria dos gregos, especialmente se o voto NULO do KKE contribuir para a vitória do SIM.

Claro que o suicídio, incluindo o politico, não é crime, mas as consequências deste harakiri publico para que esta posição irresponsável e sectária está a arrastar o KKE, são absolutamente criminosas e, por todas as razões, incluindo a simpatia e solidariedade com os comunistas gregos, não pode ter a nossa conivência e deve ser combatida com toda a clareza.


(*)
Se de facto a tradução é fiel e o que lemos é mesmo a posição de voto NULO no Referendo de domingo.

(**)
Diz-se que Álvaro Cunhal, nas presidenciais de 1986, aconselhou os mais reticentes que se fosse preciso, no boletim de voto,  tapassem a cara de  Soares e fizessem a cruz por ele. (conforme recorda Vitor Dias).
Formas de o KKE reafirmar a sua posição, mesmo votando NÃO no Referendo, é coisa que certamente não será dificil de encontrar.

7 comentários:

  1. Se o votar "Não" tivesse dois significados: 1) "não" à proposta da troika mas "sim" à proposta do syriz (pergunta do Syriza) e 2) "não" às propostas do Syriza e da Troika com denúncia da actual UE,(posição do KKE) nos votos apurados como distinguir o peso de uns e de outros ? A luta prossegue ou não para além do referendo e do parlamento, nas ruas e nos locais de trabalho ? Oportnismo e suicídio político não seria para o KKE apelar ao voto "Não" ? E seguramente que havia uma diferença entre Mário Soares e Freitas do Amaral e que o voto do PCP foi negociado e com definição de condições e compromissos a cumprir por Mário Soares durante o mandato caso eleito. Ora o KKE não negociaria com a troika, que aliás não aceita "compromissos" mas apenas "sujeições" aos seus diktats

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  2. Caro JE Brissos: o que é verdade é que para convencer OS MAIS RETICENTES E DISSE QUE SE FOSSE PRECISO TAPASSEM A CARA DO sOARES E FIZESSE A CRUZ POR ELE. nÃO ACREDITO QUE ELA TENHA PRECISADO DISSO. nEM EU PRECISEI QUANTO MAIS ELE.

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  3. Obrigado pela precisão. A ideia geral era a mesma, mas Vitor Dias decerto lembra-se melhor da expressão efectivamente usada. Já corrigi. :)

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  4. A posição do KKE envergonha, para não dizer que enoja. Nem sei o que é pior, se as vacilações da maioria do Syriza, se as incompreensões do KKE.

    Um lança o referendo - que aliás põe várias vezes em causa ao longo da semana - para não ter que assumir as responsabilidades que lhe competiam. Outro queria um referendo também à permanência no euro e na UE - numa semana (!), sem preparação(!!), entregando de bandeja a vitória ao inimigo(!!!) - e, como não tem o referendo suicidário que quer, deixa de contribuir para vencer a direita reacionária no grande combate em curso.

    O referendo, goste-se ou não, foi lançado e realiza-se. É de uma elementar consciência política compreender que as batalhas políticas travam-se onde se dão, nem sempre - na verdade quase nunca - no sítio onde gostaríamos e da forma que gostaríamos.

    Que o KKE, entre outras barbaridades, com o particular revisionismo que o caracteriza, deite pela borda fora da teoria e da prática marxista-leninistas, a noção básica de que geralmente as lutas, e muito especialmente a luta suprema pela construção do socialismo e do comunismo, têm etapas intermédias, fases intermédias, passos intermédios, precisam de pontos de apoio para consolidar posições, amadurecer consciências e vontades, reagrupar forças e levar a luta mais adiante, na verdade já nem me surpreende, pois se por um lado gostam de se apresentar como ortodoxos, por outro não hesitam em desclassificar, com uma conveniência inseparável de um certo oportunismo, vastíssimas e comprovadas elaborações do marxismo-leninismo, cuja validade a prática confirma todos os dias, como «obsoletas» (é o seu termo).

    A posição de apelo a anular o boletim de voto, deixando a direita mais reacionária e as instituições da troika, os grandes poderes capitalistas e imperialistas, a esfregar as mãos de contente por assim se terem anulado, de um só golpe, a participação empenhada de algumas das franjas mais combativas dos trabalhadores e do eleitorado grego, é ainda mais infantil - no exato sentido político em que o Lénine atribuía à palavra – quanto é uma evidência que a vitória do NÃO no referendo de hoje constituiria também uma fortíssima vitória daqueles que lutam não só pela rutura com a austeridade, mas também com as condições que institucionalizam e consolidam essa austeridade, a exploração, o empobrecimento, o subdesenvolvimento e a submissão nacional.

    Maioria do Syriza e KKE. Por um lado, as oscilações, as hesitações, as vacilações, a desorientação política. Por outro, as incompreensões, a inconsciência política, a impotência disfarçada com o radicalismo inconsequente, a má orientação política.

    Aos fãs de uns e outros, às syrizettes e às kkuettes (ler “sirizétes” e “cucuétes”), apenas um desejo, que é também uma esperança: cresçam!

    (continua)

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  5. (fim)

    No que respeita à grande batalha política de hoje, sem ilusões nenhumas quanto às futuras cedências, ou forte tendência para elas, da maioria do governo grego e do núcleo hegemónico do Syriza, pode pelo menos constituir uma demonstração prática de que, vencendo todas as fortíssimas pressões, chantagens, ingerências, manipulações e violências, num referendo que, em alguma medida, revestiu quase um caráter plebiscitário à permanência no euro (para largas secções do eleitorado), é possível reunir uma maioria social decidida a iniciar um processo de rutura com a caixa-de-ferro dos constrangimentos monetários e económicos europeus.

    Só um analfabruto político pode diminuir o alcance deste resultado. À muito triste, lamentável e vergonhosa posição oficial do KKE resta-me a consolação íntima – oxalá não seja desmentida hoje (a variação da percentagem de votos nulos em relação às últimas eleições fornecerá um indício) – de que largos setores do eleitorado comunista não perderão a perspetiva de classe e política do que está em jogo, recusarão servir objetivamente a reação (isto é, independentemente das considerações, das justificações e das intenções) e reforçarão com o seu contributo, no voto de hoje e nas lutas que se lhe seguirão, no espírito unitário e consciente que se lhes exige, o campo daqueles que, mesmo que com hesitações e vacilações, quando as barricadas se erguem, sabem ficar do lado certo, nem em cima do muro nem se recusando a pegar em armas. Amanhã será outra, mas na grande batalha de hoje, a arma é o voto e um soldado que embota a sua própria arma não vale nada.

    HM

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  6. Apurados todos os votos do referendo de ontem, verificamos que teve uma participação de 62,50% do eleitorado e 5,04% de votos nulos. Nas últimas eleições, em 25 de janeiro, a participação foi semelhante (63,87%) e, já então, havia 1,81% de votos nulos, de eleitores que na imensa oferta de partidos concorrentes (23 partidos ou coligações), com as mais variadas orientações, não escolheram validamente nenhum deles, incluindo o KKE.

    É razoável admitir, pelo menos em primeira aproximação, que no máximo 3,23% dos votantes, a diferença nas percentagens de votos nulos, seguiram a orientação do KKE de anular o boletim. Como o KKE tinha tido 5,47% dos votos, isto significa que aproximadamente 2 em cada 5 eleitores comunistas decidiram não votar de acordo com o que propôs o KKE.

    Pode parecer pouco, mas deixa o KKE, tirando a exceção das eleições legislativas de 1928, com o pior resultado de toda a sua história.

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  7. E agora? Quem tinha razão?

    http://resistir.info/grecia/kke_11jul15.html

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