sábado, 17 de agosto de 2013

Na campanha da CDU
DESVENTURAS DUM COMUNISTA SEM CARTÃO


Em Moscavide um homem idoso, alto, de ar frágil e voz um pouco arrastada aborda a candidata da CDU. Não quer reclamar com a falta de limpeza das ruas, ou dos caixotes do lixo que transbordam para o chão. A questão dele é de outra natureza, quer que a Patrícia lhe arranje o cartão do Partido.

Sempre foi comunista e agora os camaradas do Centro de Trabalho não lhe querem dar o cartão. Outro camarada, que o conhece e ao problema do cartão aproxima-se e lembra-lhe aquilo que ele sabe mas que na sua apreciação dos factos lhe parece pouco relevante, que na renovação dos cartões o dele não foi emitido porque tinha muitas quotas em atraso, e que é preciso agora ele começar a pagar quotas de novo (provavelmente dum valor pouco mais que simbólico).

As explicações do camarada não o convencem, desiste da conversa e volta-se para mim, testemunha ocasional da alegada injustiça, e diz que tem 80 anos (parece ter mais) e que é comunista desde moço novo lá no Couço, que fique eu sabendo é a única terra do País em que o único partido que tem uma Sede é o Partido (mesmo a falar percebe-se a maiúscula).

Não é que ele precise do cartão para ser comunista, explica-me, mas aquele pedacito de plástico, ali no bolso ao pé do coração, é um daqueles prazeres a que se acha com pleno direito. Pelo que entendo uma forma de reconhecimento público que, nesta fase já adiantada da sua vida, seria um testemunho palpável a ligá-lo ao seu passado militante.

Para o tirar daquela fixação no cartão falo-lhe de dois amigos do Couço, se ele conhece, atão não havia de conhecer, os olhos alumiam-se, a rua de Moscavide evapora-se, e ele está no Couço com os camaradas, as lutas nos campos, as reuniões num celeiro que a Pide não conseguia localizar, a campanha de Humberto Delgado, as greves, o cerco à aldeia, as centenas de prisões, o posto da GNR, Caxias, as visitas da mulher com o filho ao colo que ele não podia sequer tocar por causa daquele vidro grosso que os separava e um pide ao lado a intimidar.

Tempos em quem não havia cartão, digo-lhe eu, e então ele volta à terra, encara-me, é verdade, nesse tempo não havia cartões, éramos comunistas mesmo sem cartão, e de forma meio envergonhada como que pedindo desculpa da sua birra em estar para ali a exigir um cartão à camarada que precisa é que a gente todos a ajude e vote na CDU para ela ser a Presidente de Moscavide, dá um abraço à Patrícia e em jeito de despedida: não interessa, com cartão ou sem cartão, hei-se ser sempre comunista toda a vida.

3 comentários:

  1. Para propaganda não está mal...

    Só que raio de partido comunista é esse , que recusa a um militante de oitenta anos , um pedaço de plastico, só porque ele , se calhar não tem dinheiro para pagar as quotas?

    A sua propaganda , parece ter-lhe saído ao contrário do que queria,,,

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  2. O Augusto sabe ler, mas compreender o qu lê, duvido.

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  3. Augusto: É um "raio" dum partido comunista que é português, que é também marxista-leninista, que tem os seus estatutos, que faz aprovar a sua conduta interna nos congressos que realiza! Se for do seu interesse procure as caraterísticas necessárias à fundação e existência dum partido de outro tipo nos escritos que Lenine submeteu ao congresso do qual saíu por vontade de congressistas e direção o partido (de outro tipo), o bolchevique, assente na contribuição dos seus militantes, assente na contribuição das massas trabalhadoras para o exercício da sua atividade. Nos estatutos deste PCP dum "raio" também lá está o pagamento da quota, a realização duma tarefa, entre outras funções que determinam a condição de militante e que os militantes assumem. E não é que este PCP dum "raio" aprovou no seu XIX Congresso, na sua Resolução Política, que "(...)Assegurar os recursos necessários e indispensáveis para o desenvolvimento da sua actividade, na base da iniciativa própria, no apoio e contribuição dos militantes, assume uma importância vital no quadro em que os comunistas e o Partido actuam" ...)". Um PCP dum "raio" onde nos fazemos militantes por toda a vida, onde ao lado doutros trabalhadores ganhamos força.

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