domingo, 13 de outubro de 2013

HANNAH ARENDT, A BANALIDADE DO MAL E OS BUROCRATAS DA DESTRUIÇÃO


Os filmes nunca fazem justiça aos livros, e o "Hannah Arendt" de Margarethe von Trotta não é excepção, apesar de ser um grande filme, ver por exemplo a opção de apresentar imagens reais do julgamento, sobretudo de Eichmann, ou a grande sensibilidade como é tratada a relação com Heidegger, não o relato duma relação complexa e só por si merecedora dum filme, mas apenas as recordações de Hannah pertinentes para o drama com que se debate ao tentar pensar, sem preconceitos, dogmas ou lugares comuns, um dos acontecimentos mais trágicos do nosso passado recente, o extermínio deliberado e sistemático de judeus (e outras minorias menos faladas) pelo nazismo.

Não sendo propriamente uma grande pensadora (todo o destaque que a direita lhe dá se deve à natural e franciscana pobreza de intelectuais próprios), Hannah Arendt tem o mérito de, a propósito de um caso limite, ter posto na ordem do dia aquilo a que designou por a banalidade do mal, e ter chamado a atenção para o perigo que as modernas burocracias representam quando colocadas ao serviço de projectos anti sociais e anti humanos (crimes contra a humanidade chamou-lhe ela, e muito bem).

Banalidade do mal que, embora em formas bem menos virulentas, ao tempo do julgamento de Eichmann ainda por cá enfrentávamos nos olhos. Por exemplo nos ultimo anos do fascismo as longas sessões de tortura do sono eram em boa parte asseguradas por jovens funcionários, sem quaisquer motivações politicas ou ideológicas (a que nos anos antes do 25 de Abril a Pide se viu forçada a recorrer por óbvia falta de "vocações"), e que faziam o seu turno de tortura, do preso politico que lhes tinha calhado na escala de serviço, com o mesmo interesse e entusiasmo com que poderiam estar a conferir declarações de IRS numa repartição de finanças, ou numa agência bancária a lançar movimentos nas contas correntes de clientes.

Banalidade do mal, que continua na ordem do dia, e que agora nos é imposta pelas tropas de choque do grande capital que, nos nossos dias, são as burocracias do FMI, Banco Europeu, Comissão Europeia, e seus lacaios nacionais, e que nos vai destruindo a vida, a esperança, o presente e o futuro.

A grande limitação da obra de Hannah Arendt, e de muitos dos que agora se insurgem contra a destruição das nossas vidas, é não conseguirem descortinar para além dos mecanismos do mal e da falta dos mais elementares princípios de ética, moral e humanidade dos seus executantes.

É, ao mesmo tempo que muito justamente se indignam, não conseguirem apontar para o responsável último dos nossos dramas pessoais e da nossa tragédia colectiva de país submetido aos ditames das politicas austeritárias: o capitalismo globalizado, financeirizado, descontrolado e auto-fágico que há-de dar cabo de todos nós, se antes não dermos nós cabo dele (ou pelo menos se não o metermos rapidamente na linha).

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