quinta-feira, 2 de maio de 2013
RELAÇÕES DE PRODUÇÃO NA FAMÍLIA
Ou, se o comunismo é bom nas famílias, vai ver que ainda será melhor na sociedade.
Mas afinal de que falamos quando falamos, hoje, de produção no seio da família? Basicamente da trilogia: cama, mesa e roupa lavada, bens e serviços fundamentais para a própria produção e reprodução da sociedade moderna.
Claro que o mercado também oferece esses serviços, o estimado leitor poderá eventualmente organizar a sua vida a comer em restaurantes e a viver num hotel, ou ter uma equipa de empregados domésticos, mas para a maioria da população são os membros da família que asseguram a realização dessas tarefas diárias.
Ainda não há muito tempo, digamos há meio século atrás, a norma da organização do cama, mesa e roupa lavada no seio da família tinha um carácter claramente de tipo feudal.
Tal como o senhor feudal na Idade Média disponibilizava o uso da terra, do forno e do lagar aos camponeses sem terra, que depois tinham o dever de repartir com o senhor feudal parte substancial do fruto do seu trabalho; também o marido, por exemplo um operário da cintura industrial de Lisboa, providenciava os meios de produção, e a mulher dedicada à lide da casa (ou mesmo as que tinham emprego) assegurava a produção dos bens e serviços domésticos (trabalho duro num tempo em que não havia máquinas de lavar, aspiradores, ferros eléctricos ou sequer frigoríficos), bens e serviços que entravam depois na repartição geral a cargo do Chefe da Família.
Num e noutro caso trata-se de relações que não têm a ver com o mercado, com a compra e venda de força de trabalho, mas sim de relações de natureza jurídica, politica e ideológica, e a que não era estranho o recurso à violência. Se bem se recordam, até há pouco tempo não existia Violência Doméstica: os maridos davam porrada nas mulheres e isso era uma questão do foro privado, entre marido e mulher não metas a colher.
Mas a maior participação da mulher no trabalho fora de casa, o acesso à educação, e em geral a democratização da sociedade (não esquecendo os electrodomésticos), contribuiriam para uma alteração substancial do modo como se organiza o cama, mesa e roupa lavada na maioria das famílias actuais.
Hoje nas famílias, os conjugues, companheiros, ou o que sejam, em geral ambos trabalhadores assalariados, contribuem em conjunto para as despesas da família e a execução das tarefas domésticas, e tomam em comum as decisões sobre a gestão do agregado familiar. A figura de Chefe de Família já não consta da Lei e a Violência Doméstica é moralmente condenável e crime público.
De referir ainda que ao contrário do que acontece na esfera económica, a distribuição dos recursos no seio da família não é feita de acordo com aquilo com que cada um contribui, nem resulta duma qualquer famigerada avaliação de desempenho.
Em vez da anterior família de tipo feudal temos hoje uma organização da família mais igualitária, fraterna, democrática, justa e humana, baseada no principio "de cada um segundo as suas possibilidades, a cada um de acordo com as suas necessidades", ou seja uma família de tipo comunista.
Mas será que este novo tipo de família, este novo quadro de produção do cama, mesa e roupa lavada é mais eficiente? Proporcionará menos conflitos domésticos? Enfim, são estas famílias mais felizes?
Aqui permitam-me um aparte, para dizer que sempre considerei um bocado lorpa a ideia de que cada nova forma de emancipação social, económica, ou da família, nos conduz inevitavelmente ao reino da felicidade colectiva e/ou do nirvana individual.
A questão que neste caso (como noutros de avanço civilizacional) me parece relevante, não é se esta nova família está isenta de tensões, problemas e dificuldades, mas a de saber: Quantas famílias, e particularmente quantas mulheres, estão hoje dispostas a abdicar desta nova família mais igualitária, fraterna, democrática, justa e humana, desta família de tipo comunista, em favor da antiga autoritária, desigual, injusta e violenta família de tipo feudal? Pois é, parece que não há muitos interessados.
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